Falsa

          O olhar perdido buscava por entre as luzes oscilantes dos prédios daquela cidade, algum tipo de conforto. Podia ver através das janelas embaçadas as silhuetas de seus moradores. Os olhos, em tom falso de verde, buscavam com  falso interesse alguma vida no interior daqueles corpos em movimento. Sentia seu peito apertar, mas o que apertava tanto? Afinal, não havia nada em seu interior. Nada além de um enorme e escuro vazio.
          Movimentou a cabeça para os lados, tentando suavizar a dor no pescoço, ocasionada pela tarde mal dormida. Enfiou a mão no bolso do sobretudo e sentiu suas unhas falsas enroscando em alguma linha solta do bolso, tateou mais um pouco até sentir o objeto sólido que procurava. Tirou-o e de relance leu a marca daquele cigarro barato, o número escrito por extenso era o seu número da sorte, pena que a sorte era falsa assim como aquele glamour que demonstrava a cada flerte exigido pelo seu trabalho. Acendeu o cigarro e a fumaça da primeira tragada ia saindo cuidadosamente por entre os lábios tingidos de um vermelho vívido. Logo se cansou daquele gosto e jogou o cigarro fora.
          Respirou fundo e sentiu uma brisa fria percorrendo seu corpo pouco coberto. Mexeu nos longos cabelos louros, aquele louro acinzentado também era falso, assim como o seu comprimento. 
          Andou uns três passos, e o som de seu salto chocando contra o asfalto gélido, quebrava o silêncio daquele ponto. 
Tirou do bolso o pequeno espelho que sempre levava consigo e encarou seu relexo. Por um momento sentiu uma ira tomar conta de seu ser, aquela pessoa refletida no espelho a assombrava sempre que via. Rapidamente guardou o objeto de volta no bolso. Sentiu seu estômago embrulhar, como sempre acontecia após ver seu reflexo. Ela queria gritar para o mundo que ela era um ser humano e qu queria um lugar no mundo também, mas ela fora mais uma vítima do sistema. 
          Por um momento pensou na vida, pensou na sua filha que dormia tranquilamente em um quarto quentinho de alguma casa aconchegante. E isso fez com que seu coração se aquecesse. Era o primeiro sentimento verdadeiro em meio a tanta falsidade. Seus fantasmas foram deixados para trás, agora ela estava sozinha novamente, mas pelo menos, sua pequena estava tendo uma vida digna com uma família digna.
          Olhou para a lua, e está estava ofuscada pelas nuvens que a tapavam. Sorriu amargamente sentindo-se como o satélite natural da Terra, apagada e por vezes esquecida. Sim, muita gente esquecia de apreciar a lua, sem razão, ela era tão linda! Tão linda que ninguém se importava com seu interior... a beleza ostentada pelo seu exterior era o que mais chamava atenção, e era só isso. Pois ela era isso, um objeto lindo que não sente nada.
          Parou de ter esses pensamentos acerca de si mesma quando ouviu o ronco do motor de algum carro. Olhou na direção do veículo e viu que este parava a seu lado. Se aproximou e gostou do que viu: Um homem bem vestido com pinta de quem tinha dinheiro. E com a voz mais sedutora, cumprimentou o estranho:
           "Boa noite, belo cavalheiro! O que deseja nessa noite fria?"
A resposta do estranho foi apenas palavras de baixo calão que deixava claro o que ele queria com ela. Então, entrou no carro de luxo e olhou para o homem com um sorriso falso. 
            Então, esse era o meio falso de satisfazer aqueles seres. Mas não a culpe, pois tudo nela era falso. Seus olhos verdes, seus cabelos longos e louros, seu entusiasmo, suas palavras, suas unhas... falso, tudo falso. Assim era a vida de mais uma vítima dessa sociedade falsa moralista em que vivemos.

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